segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Ampliando as discussões sobre gênero: Algumas perspectivas teóricas e um diálogo com os estudos sobre intersexualidade II

(Continuação) Construcionismo Social, modelos feministas e Teorias das Representações sociais: Contribuições para uma nova psicologia do gênero.

     É nesse sentido que o Construcionismo social vai ganhando espaço e cada vez mais repercussão no cenário das ciências sociais e nas discussões sobre gênero. As teóricas feministas dos anos 60 e 70 em particular trouxeram as reflexões a respeito do conceito de gênero para primeiro plano. Como afirma Crawford  (1995) citada em Nogueira (2001, p. 142) “A distinção entre os termos sexo e gênero, sugerida e desenvolvida durante a segunda onda do feminismo, foi uma tentativa (significativa) de separar o sexo biológico do social  o gênero  e, desse modo, possibilitar a crítica social.” No entanto, a mesma autora faz uma crítica ao identificar discursos novos de “diferenças sexuais” como uma nova “roupagem” das mesmas condições essenciais inerentes ao indivíduo, ou seja,“ De modo irônico, uma pretensão feminista, que visava teorizar a construção social da masculinidade e da feminilidade, passa a ser a estratégia que a obscurece (Crawford, 1995 apud Nogueira (2001, p.142).

Simbolo feminista
Fonte: Google Imagens
   É a partir dessas críticas sobre um modelo feminista empiricista que sustenta, ironicamente, o paradigma dualista e biológico de gênero, que surge um terceiro movimento, pós-modernista, por volta dos anos 80. Conforme Nogueira (2001, p. 144) “Discute-se agora a existência de identidades essencializadoras e focaliza-se a atenção na construção social das categorias que são usadas para analisar e compreender o mundo social.”

   Essa nova perspectiva irá adotar um posicionamento, diferentemente do feminismo empiricista já mencionado, de “negação a uma verdade universal e absoluta” (Flax, 1990; Harding, 1990; Rosenau, 1992) apud Nogueira (2001, p.144).
   Passa-se então a pensar um gênero pertencente a um discurso político, social, mantenedor de uma ordem vigente, desvinculado de uma essência biológica e fortemente articulado a uma linguagem e a relações sociais.



Fonte: Google Imagens
   “Assim, o pós-modernismo aceita a multiplicidade, a incoerência e o paradoxo, tudo o que os paradigmas positivistas sempre excluíram. Nega a aparente rigidez da linguagem sobre os significados estabelecidos, e é céptica acerca da natureza fixa da realidade. Reconhecendo que o significado é apenas aquilo com o que concordamos, os pós-modernistas descrevem um sistema mais amplo de possibilidades, contexto em que o gênero é encarado como passível de versões parciais e paradoxais.” (Nogueira, 2001, p. 145)

   Outro movimento contemporâneo aos movimentos feministas empiricista e pós-modernista, a Teoria das Representações Sociais (TRS), proposta por Moscovici na década de 60 ganharia fama apenas duas décadas depois em virtude dos novos arranjos sociais e novos “atores sociais” que “explicitam energicamente suas demandas, propondo à ciência novos conceitos a incorporar na análise da realidade, como o de gênero, ou levando-a a repensar categorias para poder levá-los em consideração como é o caso da noção de novos movimentos sociais.” (Arruda, 2002, p.129)

    Arruda (2002) faz uma ponte entre as teorias feministas e a Teoria das Representações Sociais, salientando ambas “propõem teorias relacionais, em que não se pode conhecer sem estabelecer relação entre o tema/objeto e o seu contexto. Gênero é uma categoria relacional, na qual, ao se levar em conta os gêneros em presença, também se consideram as relações de poder, a importância da experiência, da subjetividade, do saber concreto (Idem, 2002, p. 133).

    Trazendo as discussões para os casos de Intersexualidade:

    A intersexualidade se encontra profundamente relacionada a tais discussões, tendo em vista que sobre seu fenômeno perpassam questões complexas, envolvendo por exemplo a percepção corporal, o papel de gênero, a socialização e a identidade sexual dentre outras questões fundamentais. É nesse sentido que os estudos de gênero são pertinentes pois implicam em uma reflexão crítica e rica acerca da intersexualidade, além de se pensar na melhor forma de lidar com tais sujeitos, contribuindo para sua melhoria de vida.
Entretanto, apesar de os estudos sobre gênero serem pertinentes para se pensar a pluralidade de identidades nos sujeitos, ainda são escassos os estudos que fazem a correlação entre estudo de gênero e intersexualidade. Como afirma Santos, & Araujo (2008), num artigo de revisão bibliográfica sobre o tema:

  “(...) algumas considerações sobre diferenciação de identidade de gênero têm sido pobremente descritas, principalmente em relação às etapas do ciclo vital. Muitos trabalhos revelam que é comum existir crise de identidade de gênero entre adolescentes intersexuais, sendo possível que no início da idade adulta o “período de risco” ainda não tenha sido superado. Por essa razão, parece essencial a realização de estudos desenvolvimentais mais extensos visando ampliar a compreensão sobre diferenciação de gênero entre os indivíduos intersexuados.”

  De que modo, então, o atendimento ao indivíduo intersexual e sua família poderá ser facilitado pelos profissionais envolvidos nos manejos clínicos?
Deve-se considerar, primeiramente, que cada caso é um caso específico, que necessita de procedimento particular. É primordial levar em consideração as formações subjetivas do indivíduo intersexual. Além disso, considerar que a construção de identidade sexual e de gênero é um fenômeno complexo e que vai muito além de uma escolha primeira de definição sexual, ou seja, “É necessário insistir que a satisfação com o sexo designado nem sempre está associada à identidade de gênero.”(Santos; Araújo, 2008, p.271) e que vários fatores estarão relacionando esta satisfação com as práticas vivenciadas, a aceitação, e um tratamento adequado recebido pelo indivíduo intersexual.

   É nesse sentido que, segundo Santos e Araújo (2008, p. 272), é preciso insistir que a “compreensão de fenômenos complexos, como o desenvolvimento de identidade de gênero e sexual exige uma visão pluralista – teórica e metodologicamente – que leve em conta o ciclo de vida, em particular seus momentos de transição”. Dessa forma, em relação especificamente ao profissional da Psicologia, cabe um papel fundamental de acompanhar o indivíduo intersexual e sua família neste processo de construção da sua subjetividade, de maneira mais saudável e com uma visão livre de convenções pre-estabelecidas, que prendem o sujeito intersexual em uma construção de identidades que lhe fogem a escolha.  


Referências:
ARRUDA, Angela. Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cad. Pesqui.,  São Paulo,  n. 117, dez.  2002 .   Disponível em  http://www.scielo.br/pdf/cp/n117/15555.pdf


COSTA e OLIVEIRA.A sexualidade segundo a teoria psicanalítica freudiana e o papel dos pais neste processo. Revista Eletrônica do curso de pedagogia no Campus Jataí - UFG. Vol 2 n. 11, 2011. Disponível em: https://revistas.ufg.br/index.php/ritref/article/viewFile/20332/11823


Menezes, Aline Beckmann, Brito, Regina Célia Souza, & Henriques, Alda Loureiro. (2010). Relação entre gênero e orientação sexual a partir da perspectiva evolucionista. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 26(2), 245-252. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722010000200006

NOGUEIRA, Conceição. Contribuições do construcionismo social a uma nova psicologia do gênero. Cadernos de Pesquisa-Revista de Estudos e Pesquisa em Educação / Fundação Carlos Chagas, São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n. 112, p. 137-153, mar. 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/n112/16105.pdf


SANTOS, M. F. e BELO. I. (2000).v Diferentes formas de velhice. Psico. vol 31, n. 2,
p. 31-48.

SANTOS, Moara de Medeiros Rocha. Desenvolvimento da identidade de gênero em casos de intersexualidade: contribuições da Psicologia. 2006. 246 f. Tese (Doutorado em Psicologia)-Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
 http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=362

Santos, M. de M. R. & Araujo , T. C. C. F. de (2008). Estudos e Pesquisas sobre a Intersexualidade: Uma Análise Sistemática da Literatura
Especializada.


Paiva, Vera. (2008). A psicologia redescobrirá a sexualidade?. Psicologia em Estudo, 13(4),641-651. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722008000400002&script=sci_arttext

PARISOTTO, Luciana et al. Diferenças de gênero no desenvolvimento sexual: integração dos paradigmas biológico, psicanalítico e evolucionista. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2003, vol.25. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082003000400009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt



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