segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Repensando o Sexo IV: Os hormônios definindo Masculinidade e Feminilidade?



        
         

               Assistimos hoje na sociedade, baseando-se nos postulados e achados científicos, um reinado do discurso de um “corpo hormonal” (Boof) (Nucci & Russo) que se sobrepõe a outras visões biomédicas e que por sinal é amplamente divulgado pelas mídias em massa e aceito pelo público em geral. Nesta visão os hormônios e suas relações com o cérebro seriam determinantes para tudo e explicariam todas as coisas, incluindo os comportamentos entre os sexos opostos, inteligência, atenção, habilidades e orientação sexual. Por esta visão, a presença de hormônios como progesterona e testosterona, bem como suas variações, seriam determinantes para a justificação de características ditas masculinas e femininas e a explicação de como o indivíduo reage às atividades de vários níveis sociais atribuídas a cada gênero.
             Nesta concepção segundo Oudshoorn, haveria uma visão de hormônios completamente dualista, que ao concebê-los tanto em sua função como em sua origem como femininos ou masculinos revelam um pensamento binário reinante que em essência mostra uma visão completamente polarizada da noção de pertencimento do sujeito entre as fronteiras do masculino e feminino.
            Tudo isso começou por volta de 1930 quando a endocrinologia trazia ao mundo uma nova visão para os comportamentos sexuais, identificando e nomeando hormônios “femininos” e “masculinos” como determinantes da feminilidade e masculinidade, respectivamente. Mais tarde esta perspectiva foi sendo contraposta por uma visão “qualitativa” dos hormônios, onde se reconhecia que num mesmo organismo poderia haver ambas as características em diferentes graus, porém esta visão ainda não abandonou o sistema de classificação dos gêneros. Em 1959, cientistas do Departamento de Anatomia da Universidade de Kansas após experimentos com ratos, postularam a Teoria Organizacional que nas suas entrelinhas trazia a concepção de que ainda no útero os hormônios sexuais eram responsáveis pela diferenciação sexual do embrião e que por sua vez manifestariam, dependendo do hormônio, comportamentos “masculinos” ou “femininos”. Tal teoria extrapola para o âmbito dos seres humanos e rapidamente "assume" que, em homens, o comportamento masculino se apresenta na presença de andrógenos no cérebro, enquanto o comportamento feminino se caracteriza pela ausência destes hormônios. Assim, é visto neste pressuposto  que o comportamento seria produzido pelo cérebro e qualquer alteração deste iria mudar também o comportamento do indivíduo.
            Para Boff (2013), esses dados obtidos pela biogênese mostram o papel do sistema límbico no cérebro, que seria responsável pela sexualidade e o amor, influenciariam poderosamente a organização da sexualidade tomando como exemplo os hormônios e sua importância na diferenciação sexual, ele diz:



"Sabe-se que os hormônios, especificamente, andrógenos pré-natais, operam uma diferenciação masculina e feminina de algumas porções do sistema nervoso central. Mulheres que sofreram, por exemplo, uma androgenização fetal parece resistir a uma socialização (considerada) feminina e mostram interesses e níveis de atividade tidos como adequados aos homens. Homens que sofrem de insensibilidade congênita aos andrógenos pré-natais, assumem características comportamentais tidas nitidamente como femininas e se opõem a uma socialização dita masculina."




           
A Intersexualidade e a Mudança de Paradigmas.
             
"A intersexualidade  é vista como uma Anomalia da Diferenciação Sexual (ADS), que resulta em genitália ambígua, onde tal anormalidade pode ter origem em distúrbios cromossômicos, no mau desenvolvimento gonadal ou nos distúrbios da produção ou na atividade de certos hormônios." (Pippi Salle e Jednak, 2008, apud Hemesath, 2010). Suas causas ainda são um mistério em resolução, mas na biologia, como nas ciências em geral, as anomalias e exceções ajudam a entender o que é “normal” e, sendo assim pesquisas foram feitas observando casos de intersexuais que podem mudar um pouco este paradigma hormonal, onde a mulher é um ser cujos hormônios masculinos não foram ativadas.


(Entrevista com Eric Vilain)
O geneticista Eric Vilain da University of Califórnia em Los Angeles (Ucla) estudioso da área, identificou genes chamados de WNT4, que são, segundo ele, especificamente femininos, e são ausentes nos homens. Esta descoberta está mudando o paradigma que para produzir um ser do sexo masculino bastava-se ativar hormônios pró-masculino. Ele mostrou que para produzir seres do sexo masculino precisava-se ativar uma série de genes pró-masculinos, além de inibir genes antimasculinos que, segundo Vilan, podem ser pró-femininos. Porém, isso ainda esta sendo estudado. Entende-se hoje que os genes femininos não são passivos como se pensavam, e sim ativos. Vilan ainda propõe que a diferenciação do cérebro, causado por determinação genética, justifica um ser apresentar-se masculino ou feminino, independentemente dos hormônios.


Estes achados nos estudos com Intersexuais e outros desafios, descobrindo os fatores que causam a formação de genitálias ambíguas nos mostram a importância de pesquisas nesta área. O mapeamento genético juntamente com a descoberta de fatores hormonais, são ferramentas que ajudarão a desvendar mais ainda as causas das ADS, porém ainda poderemos nos perguntar, em meio a estes avanços, quais serão as  repercussões sociais em torno dos intersex? Será que estas descobertas não fortalecerão mais ainda a visão binária de gênero e continuará reforçando os procedimentos de adequação dos mesmos? O fortalecimento de um discurso patológico acerca dos intersex não acabaria aumentando não só o preconceito como também a dificuldade de aceitação deles próprios?

Estas e outras questões serão melhor discutidas nas próximas postagens.




Referências:
Hemesath, T. P. (2013). Anomalias da Diferenciação Sexual: Representações Parentais sobre a Constituição da Identidade de Gênero.Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3), 583-590.

Nucci, M. F., & Russo, J. A. “O Sexo do Cérebro”: uma análise sobre gênero e ciência. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres, 6, 31-56.

http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/quando_uma_pessoa_nao_e_xx_nem_xy_imprimir.html

http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/a-construcao.html.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

(Re)pensando o sexo III: O Consenso de Chicago e as novas nomenclaturas para os estados intersexuais: Implicações éticas e sociais nas mudanças dos termos.


Intersexualidade, Hermafroditismo, Anomalia de Diferenciação Sexual. Esses e outros termos são utilizados, uns com mais preponderância em épocas específicas que outros, para designar aqueles indivíduos que, por fatores conflituosos, não são facilmente “encaixados” em termos da dicotomia homem/mulher. Mas qual a diferença entre esses termos? Ainda, quais implicações o uso desta ou daquela nomenclatura trazem para os profissionais envolvidos; para os indivíduos que possuem tais características, para os familiares destes e, por último, para nós, enquanto pertencentes a uma sociedade plural?



O termo hermafroditismo foi definido em 1876 por Theodor Albrecht Edwin Klebs em seu Handbuch der Pathologischen Anatomie e a classificação se baseia na natureza da gônada. O hermafroditismo se dividia em três principais grupos: pseudo-hermafroditismo masculino, que é a genitália ambígua com testículos; pseudo-hermafroditismo feminino, a genitália ambígua com ovários; hermafroditismo verdadeiro, testículo e ovário, com ou sem genitália ambígua. Após a descoberta dos cromossomos, modificaram a nomenclatura e adotaram os termos: ambiguidade genital com cariótipo 46,XY para o pseudo-hermafroditismo masculino; ambiguidade genital com cariótipo 46,XX para o pseudo-hermafroditismo feminino. Para o hermafroditismo verdadeiro, se manteve o termo.

O termo intersexo há poucos anos caiu em desuso, pois sugere a existência de um terceiro sexo ou sexo intermediário. O termo ADS (anomalias de diferenciação sexual) situa o indivíduo a partir de constituição de seu cariótipo, o que os estudiosos defendem que o ‘sexo genético’ é inerente a escolha e identidade. O problema é que mesmo assim, ADS ainda representa um conceito estigmatizante e persiste em uma terminologia dúbia, o que pretende ser revisto nos próximos Consensos.

Nós, do blog psi-intersex, preferimos adotar preponderantemente nas postagens e até mesmo no nome do blog o termo “Intersexualidade” por alguns motivos, apesar de este ser considerado um termo “ultrapassado” pelo discurso atualmente difundido das “Anomalias de Diferenciação Sexual”, dentre eles:

1-    O termo ADS, a nosso ver, traz uma noção de A-normalidade, de algo que está fora, não-pertencente. Desse modo, entendemos que o discurso que propõe a nomenclatura “Anomalias de Diferenciação Sexual” parte do discurso biomédico vigente de um binarismo natural da condição humana, e esta não corresponde a nossa visão.
2-    O termo “Intersexualidade”, por outro lado, nos remete a uma noção de algo entre dois “opostos”, ou seja, algo que, mesmo não se encaixando em um ou outro polo, ainda pertence ao todo, está inerente ao leque de possibilidades. Nesse sentido, intersexual engloba, incorpora e aceita as diferentes identidades como pertencentes a condição humana, e não exclui, retira e omite esta condição.

Acreditamos, no entanto, que não podemos finalizar a discussão a respeito dos termos, pois como vimos até aqui, a linguagem e o termo utilizado traz uma repercussão social e de ponto de vista influentes na vida de todos os envolvidos e da sociedade em geral. Preferimos utilizar o termo “Intersexualidade” ao da ADS pelos motivos explicitados, contudo acreditamos que uma reflexão mais profunda se faz necessária e oportuna hoje e futuramente.



Referência:

DAMIANI, Durval  and  GUERRA-JUNIOR, Gil. As novas definições e classificações dos estados intersexuais: o que o Consenso de Chicago contribui para o estado da arte?. Arq Bras Endocrinol Metab [online]. 2007, vol.51, n.6 [cited  2013-12-13], pp. 1013-1017 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27302007000600018&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0004-2730.  http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302007000600018.

(Re)pensando o sexo II: O corpo e a sexualidade como uma relação de saber-poder. Diálogo com o pensamento foucaultiano.

 “Tem-se uma sexualidade desde o século XVIII, o sexo desde o XIX.   Antes, tinha-se, sem dúvida, a carne”. (Foucault)

       Um ser em que consiste a totalidade dos gêneros, essa seria uma boa concepção para iniciarmos esse diálogo sobre o corpo e a sexualidade como uma relação de saber-poder. Mas, vale ressaltar que aparentemente a concepção que prevalece atualmente e já profundamente arquitetada e estabelecida ao longo da história (principalmente na sociedade ocidental), é a de uma refutação a respeito da concepção da integração de opostos que por fim tem se perpetuado com a noção de anormalidade quando se trata da pessoa intersexuada. No Século XIX, segundo Foucault (2001) o hermafrodita era considerado como um tipo de monstro, visto como imperfeição da natureza ou moralmente deturpado. E ao que parece, ainda hoje, a pessoa intersexual é considerada como uma imperfeição da natureza, dentro dos ditames sociais vigentes já estabelecidos.
           Foucault argumenta no primeiro volume de A história da sexualidade, que o construto unívoco do “sexo” (a pessoa é de um sexo e, portanto, não é de outro) é (a) produzido a serviço da regulação e do controle social da sexualidade; (b) oculta e unifica artificialmente uma variedade de funções sexuais distintas e não relacionadas; e (c) então aparece no discurso como causa, como uma essência interior que tanto produz como torna inteligível todo tipo de sensação, prazer e desejo como específicos de um sexo. (BUTLER, Judith, 2003)

           Seguindo o pensamento de Foucault, nota-se que estamos vivendo em um tempo que não é marcado pela proibição de se falar sobre o sexo, mas por um regime que regula o sexo por meio de discursos públicos. “E a causa do sexo – a da sua liberdade, mas também a do conhecimento que dele se vai tendo e do direito que se tem de falar dele – acha-se com toda a legitimidade ligada à honra de uma causa política”, como descreveu Foucault no I volume de A história da sexualidade.
           O pensamento de Foucault pode nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a não naturalidade das classificações a respeito do sexo, e também, nos ajudar a entender que essas mesmas classificações são criadas no âmbito do biopoder. Podemos exercer um olhar mais apurado a esse respeito, no que tange ao próprio surgimento das primeiras identidades sexuais no século XIX e sua clivagem. As classificações passam a surgir em detrimento de técnicas que procuram “normalizar”, controlar e modelar as pessoas, no que diz respeito ao seu próprio corpo, mexendo até mesmo com sua subjetividade. Quer-se saber a forma como cada um lida com o seu sexo (como falam dele, o que fazem dele, como lidam com ele), estabelecendo formas “normais” e “perversas” de prazer, a verdade do sexo, entre outros.
           A intersexualidade, dentro dos ditames sociais vigentes, é uma categoria que permanece ainda no anonimato; o sigilo emerge como um comportamento “ideal”, negociado entre a família e os profissionais de saúde. Ainda seguindo o pensamento de Foucault, poderíamos dizer que a grande questão não é se há repressão sobre o assunto “sexo”, mas, saber que há uma série de dispositivos que faz com que prolifere uma série de discursos sobre o “sexo”. Nesta Direção, a subjetividade do intersexual é construída através da mediação de valores e crenças sociais sobre o corpo e o gênero. Essa não identidade das pessoas intersexuais poderia emergir numa nova concepção política de uma descontinuidade sexual, um mundo que ultrapassa as categorias do sexo e da identidade.
Referências
FOUCAULT, M. História da Sexualidade I, A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal,1977.
FOUCAULT, M. Aula de 22 de janeiro de 1975. In: FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 69-100.
BUTLER, Judith. Foucault, Herculine e a política da descontinuidade sexual. Problemas de gênero-Feminismo e subversão da identidade, 2003.

(Re)pensando o sexo: Mito, Religião, Ciência e as visões sociais contemporâneas:


Na mitologia grega, o mito de Hermaphroditos, Ἑρμάφρόδιτός, Deus grego filho de Hermes e Afrodite, traz a origem do termo adotado hoje para classificar comumente um tipo de ADS. Segundo esta história, o Deus grego, de beleza extrema, desperta o amor da ninfa Sálmacis que, tomada pelos seus sentimentos, uniu ambos os corpos em um só.



Salmacis e Hermaphoditos Bartholomeus Spranger (c.1598). 

No artigo O sexo dos Anjos, que você pode encontrar no fim desta postagem como recomendação de leitura, a autora Paula Sandrine também nos remete ao estudo de Mircea Eliade que, em seu livro “Mefistófeles e o Andrógino: comportamentos religiosos e valores espirituais não europeus” traz a construção do Mito do andrógino, de Platão, por diversas culturas não ocidentais, de uma ideia divina da androginia e nos coloca uma possibilidade de pensar a variabilidade de sexos nos humanos como uma situação possível (Seriamos todos intersexuais? Leia aqui a entrevista com o Imunologista e Professor americano Gerald Callahan sobre esta proposição.)
Os chamados hermafroditas, ou qualquer outra pessoa com “deformidades” físicas, eram vistas, desde a Antiguidade, como essencialmente malígnas, ligados ao Satã e que precisavam ser mortas para não ameaçar o “frágil e constantemente ameaçado reino de Deus sobre a terra”  (LEITE, Jorge. 2009).
A visão do diabo também era associada a uma entidade dúbia, imprecisa, com seios femininos e pênis num só corpo, em oposição a ideia divina de clareza e precisão. É nesse sentido que formam-se as construções de cristo e dos anjos como quase assexuados, “pois o que importa são as sutilezas do espírito em manifestações de masculinidade ou feminilidade, enquanto o diabo e seus demônios tornam-se hipersexuados, focando na genitalidade corporal todo o desregramento cósmico da junção macho e fêmea.”.
Com o advento do iluminismo as diferenças entre o homem e a mulher caíram nos braços da ciência, ratificando a ideia dicotômica de sexo vigente até então e problematizando ainda mais a questão dos ADSs (antes chamados de “intersexs”). Passa-se a estudar as diferenças do cérebro masculino e feminino, como por exemplo uma maior atividade no lóbulo parietal inferior direito nos homens e o esquerdo nas mulheres (Sobre isso, leia “As diferenças encefálicas e níveis de atenção em homens e mulheres”). Diferenças hormonais também foram dicotomizadas, conheceu-se os efeitos da testosterona e relacionaram o nível de concentração deste, em homens e em mulheres, com seus comportamentos característicos. Deu-se nome, localizou-se no corpo, as principais diferenças comportamentais entre homens e mulheres e buscou-se “encaixar” os ADSs nas formas sociais aceitas, ou homem ou mulher.
 
“O homem vitruviano – Leonardo Da Vinci”

Por outro lado, há uma teoria conhecida como Queer, surgida na década de 80, que põe em cheque as formas de identidade humanas socialmente aceitas, dentre elas a ideia binária da condição humana- masculino/feminino- atribuindo uma condição cultural (e não natural) aos ideais de identidades sexuais, que produz um instrumento de poder sobre os corpos humanos, sejam estes os “normais” ou aqueles considerados patológicos, aqui se encaixando os intersexuais, por este binarismo e pelo discurso médico vigente, que justificam, dentre outras coisas, as intervenções cirúrgicas de adequação ao dimorfismo sexual. Contrariando este discurso médico de patologia dos indivíduos intersex e corroborando o discurso queer, CABRAL (2003) apud PINO (2007) nos diz que:
“A intersexualidade não é uma doença, mas uma condição de não conformidade física com os critérios culturalmente definidos de normalidade corporal”
É nesse sentido que nós podemos refletir criticamente, em princípio, sobre as decisões e discursos médicos de “readequação sexual”, através de intervenções cirúrgicas, não como saberes neutros e autônomos, isolados do contexto social, mas, pelo contrário, impregnados de ditames socialmente aceitos e normatizados do que vem a ser, além de tantos outros ditames sociais, homem e mulher. A teoria queer, nesse sentido, segundo PINO (2007):

“(...) Dispensa atenção aos indivíduos que não se conformam às regras e, portanto, vivem nas zonas de abjeção, lugares nos quais sua própria humanidade é contestada, exatamente por não corresponder aos ideais normativos do humano.”


Referências:
Castro Dutra Machado, Dionis de, Vale Bastos, Victor Hugo do, Porto Silva, Paulo Alberto, Fonseca de Andrade, Ubiratan, Silva, Júlio Guilherme, Furtado, Vernon, Ribeiro, Pedro. Diferenças sexuais encefálicas e níveis de atenção em homens e mulheresFitness & Performance Journal [On-line] 2005, 4 (Julio-Agosto) : [Data de consulta: 13 / diciembre / 2013] Disponível em:<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=75117035005> ISSN 1519-9088

MACHADO, Paula Sandrine. O sexo dos anjos: um olhar sobre a anatomia e a produção do sexo (como se fosse) natural. Cad. Pagu [online]. 2005, n.24, pp. 249-281. ISSN 0104-8333.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332005000100012.


LEITE JR., Jorge. "Que nunca chegue o dia que irá nos separar": notas sobre epistémê arcaica, hermafroditas, andróginos, mutilados e suas (des)continuidades modernas. Cad. Pagu [online]. 2009, n.33, pp. 285-312. ISSN 0104-8333.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332009000200011.

PINO, Nádia Perez. A teoria queer e os intersex: experiências invisíveis de corpos des-feitos. Cad. Pagu [online]. 2007, n.28 [cited  2013-12-13], pp. 149-174 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332007000100008&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0104-8333.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332007000100008.

Caros Leitores,



 Iniciaremos, agora, uma série de postagens com o título “(Re)pensando o sexo”, com múltiplos pontos de vista que envolvem o tema geral da Intersexualidade (Usaremos, ao longo das postagens, o termo intersexual, por um ponto de vista consensual aos integrantes do grupo. Esta definição, no entanto, é considerada atualmente ultrapassada pelo Consenso de Chicago (2005), sendo substituída pelo termo “Anomalias da Diferenciação Sexual”. Dedicaremos uma postagem específica em breve sobre estas e outras nomenclaturas e suas discussões e ainda explicaremos o porquê da nossa escolha.


 Pois bem, iremos começar traçando uma evolução histórica do conhecimento e produções de “verdades” a respeito dos indivíduos intersexuais, desde o Mito da origem do primeiro hermafrodita até as visões clássicas do modelo biomédico, das neurociências e das discussões a respeito do construtivismo social de ideias como sexo e gênero, passando por uma análise das relações de poder envolvendo a temática, além da análise do discurso médico, dos próprios intersexuais e seus familiares, dentre outros levantamentos importantes.

Boa Leitura!


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Documentário: Nem Homem, Nem Mulher

Documentário: Nem Homem, Nem Mulher





O documentário busca levantar questões sobre as chamada “anomalias de diferenciação sexual” (ADS), ele traz opiniões de especialistas na área, tão pouco conhecida, como a Dr. Lih-Mei Liao, Dr. Tiger Devor (PhD em Psicologia Cínica e terapeuta sexual) e a PhD em Psicologia Clínica Aileen Schalast.
Nele há uma preocupação memorável com os fatores sociais atrelados a anomalia e aborda bastante o fator rejeição social, porém não chega a ouvir opiniões de crianças a respeito dessa rejeição, mas consegue expor depoimentos emocionantes de intersexuais já adultos, relatos estes que abarcam principalmente a questão familiar, ou seja, de como uma família reage ao nascimento de um bebê intersexual.
Outro ponto é a  preocupação em apresentar depoimentos dos pais quanto a angústia destes, desde o momento do nascimento do bebê e leva em consideração a pressão social quanto a definição do sexo da criança, já que é clara a expectativa das pessoas ao redor da grávida  quanto a definição do sexo do bebê, pois antes mesmo de ele nascer, já se tem definido a cor do enxoval (Azul ou rosa) e os brinquedos já são comprados (Bola ou boneca).De um modo ou de outro a criança já nasce nesta dicotomia, homem/mulher (azul/rosa...)
Fora as questões sociais, o documentário também aborda questões fisiológicas, como a relação entre a anomalia e o nível de cortisol no organismo, a hiperplasia congênita e o nível de testosterona, assim como a maneira como o corpo reage a estes hormônios, incluindo, também, a análise das gônadas. Alem destas, outros parâmetros para classificação de um bebê naturalmente intersexual são fatores genéticos (análise cromossômica) e o caráter experimental e de previsibilidade (a respeito da escolha médica e familiar da genitália do bebê).
Esta investigação pode parecer completa e confiável, mas as síndromes não costumam ser tão simples, pelo contrário, em seu nível de complexidade e variabilidade acaba-se obtendo resultados de exames inconclusivos, sempre nos limites entre o masculino e o feminino, e se há variações, há também diferenças e estas diferenças vão aparecer principalmente no desenvolvimento sexual da criança.
O documentário aponta que, desde o seu nascimento, uma criança diagnosticada com alguma síndrome intersexual está sujeita a enfrentar inúmeros desafios pois, vários fatores de ordem médica e social incentivam um diagnóstico de gênero precoce, que em sua natureza está cercado de incertezas e pressões e elas acarretam consequências na identidade e no desenvolvimento dos portadores desta síndrome.
Fatores que justificam as práticas cirúrgicas em crianças intersexuais recém-nascidas são o fator cultural e a exigência legal presente nas sociedades. Os pais, que necessitam saber/enquadrar o seu filho como homem ou mulher para assim começar a trata-lo de acordo com um gênero, são os primeiros a sofrer com a situação. Não saber o que seu filho de fato “é” causa muito espanto e sofrimento a família que, além de responder as expectativas de todas as pessoas que o cercam com relação a “quem é seu filho”, ainda se veem pressionados legalmente a registrarem a criança em um dos referenciais que temos na sociedade como representação de gênero: “Homem ou mulher”.       Recentemente, na Alemanha, foi proposto uma mudança na lei que deixa em aberto a indefinição do sexo. (Sobre isto, clique aqui para ver a matéria completa).
É neste sentido que observamos o perigo que a exigência de se fazer uma cirurgia tão fundamental logo cedo em uma criança acarreta. Ao se fazer estes procedimentos cirúrgicos, muitos aspectos do desenvolvimento ainda não possuem uma previsibilidade clara. Num contexto onde exista uma linha tênue entre o feminino e o masculino, uma intervenção prematura pode custar caro.
Além disso, alguns especialistas veem esta prática cirúrgica como uma mutilação às crianças que, sendo obrigadas a se enquadrarem a um dos lados dos polos, são expostas a situações invasivas de procedimentos e assim conviverem com memórias infantis de dores em salas de hospitais sem saber o porquê, dificuldades em aceitar suas genitálias no futuro e a perda de tecidos sensitivos que atrapalham a possibilidade de relacionamentos saudáveis em seu futuro.
Avanços nos últimos dez anos da medicina fomentaram o tratamento destes pacientes com um trabalho multidisciplinar com foco diferenciado e acompanhamento psicológico das famílias como posteriormente dos próprios intersexuais tentando minimizar os efeitos negativos das cirurgias reparadoras de sexo, pois há muitos relatos de casos onde a pessoa se vê e comporta-se de forma oposta ao gênero escolhido nos seus primeiros dias de vida. Isso ocorre por conta das diferenças hormonais que, na segunda infância e na adolescência, fazem emergir mais um fator que coloca em questionamento os procedimentos médicos.
Ainda há muito a se discutir sobre esta dicotomia Prevenção médica X Consciência do paciente na definição dos casos de intersexualidade, pois de um lado há o argumento de que quanto mais cedo for diagnosticado o possível sexo melhor será para o desenvolvimento da identidade do paciente, mas do outro, argumenta que o corpo é do bebê e somente dele, e é ele quem terá de lidar com as consequências destes procedimentos. Uma proposta alternativa seria a de que os intersexuais se conhecessem primeiro antes de fazer qualquer procedimento cirúrgico.
Um aspecto importante abordado no documentário está no pensamento da criança que um dia chegará a fase adulta, pois neste momento, é comum que passe a dar mais importância e queira o bom funcionamene de sua genitália. A discussão toda gira em torno de um impasse: Deixar a criança intersexual crescer e decidir por si própria qual decisão tomar, adiando ações cirúrgicas e medicamentosas, poderia impossibilitar estas ações pelo atraso da decisão.
Pode-se tomar como exemplo o caso de uma garota que tem Hiperplasia Congênita da supra-renal e que não realizou a cirurgia reconstrutiva. Seu clítoris é saliente e possui sete centímetros, o que causa uma certa confusão a respeito de sua identidade pois seu órgão sexual se assemelha ao de um homem, porém ela se sente como mulher. O questionamento que fica é se tivessem feito a cirurgia antes, ainda numa fase inicial, conseguiriam contornar esses problemas? Porém, e se a jovem se reconhecesse como do sexo masculino?
Uma das síndromes envolvendo o gênero é conhecida por Síndrome de Insensibilidade aos Andrógenos. Para entender melhor sobre essa síndrome, cabe a reflexão sobre como se constitui, basicamente, a formação do gênero intra-ulterina. No início, a constituição cromossômica é a mesma para homens e mulheres, até que o cromossomo Y se manifesta e a partir daí formem-se os testículos a partir da gônada, que geram testosterona. E é a testosterona que, por sua vez,  vai gerar o hormônio que vai impedir a formação de estruturas femininas, dando condições para que se formem as estruturas externas, logo, um feto masculino não terá útero. Na falta do cromossomo Y, o feto produzirá um ovário, que vai produzir testosterona em baixos índices, formando então um corpo tipicamente feminino.
Na síndrome de insensibilidade aos andrógenos, o corpo não responde como se espera. Apesar de ter o cromossomo Y, gerar testículos e produzir testosterona, o corpo não vai absorver esse hormônio como deveria, adquirindo características femininas.
Uma questão relevante no caso dos intersexuais é que os pais têm dificuldade de contar e explicar – até mesmo por falta de mais informações – para seus filhos sobre sua formação biológica no que diz respeito ao sexo, e consequentemente que esse sujeito não teria uma identidade de gênero pré definida (definição esta, pautada nas sociedades vigentes). Não saber e nem poder se definir como homem ou mulher pode trazer um impacto no desenvolvimento psíquico, cognitivo, neuropsicológico, na construção de sentido e no processo de subjetivação que faz parte de um encadeamento na formação da personalidade de qualquer indivíduo que vive em um meio pautado por definições tal como a de gênero (homem/mulher).
Outra grande questão é que não se trata apenas da biologia do sujeito, e sim de como esse sujeito se sente e se percebe. O senso de si vai ser elaborado a partir da aquisição de sentidos sobre o próprio corpo, onde será envolvida uma dimensão pessoal que organiza e dá sentido as experiências tornando-as base para a configuração da identidade desse indivíduo (intersexual). Diante do comentado acima, poderíamos dizer que seria uma forma de violência o indivíduo intersexual não saber sobre si – visto que muitas das cirurgias reconstrutivas se dão logo na primeira infância – e poder também decidir sobre seu corpo. As instituições família e saúde parecem sustentar a visão do intersexo como doença e não como identidade, e ainda hoje a questão principal em relação à intersexualidade é a discriminação e estigma social. Em pleno século XXI seria um avanço pensar a intersexualidade como uma condição diferente e especial, mas não uma doença que precisa ser controlada e combatida, devendo ser compreendido em sua complexidade cultural.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Bem vindos ao nosso blog!

Você sabe o que é Intersexualidade? Por que são assim chamados? Por quais práticas e discursos são atravessados? Quais os impactos que determinados discursos vigentes causam na sociedade e de que maneira estes implicam no intersexual?

Somos alunos do 6° período do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco e criamos este blog como proposta de um projeto interdisciplinar entre as cadeiras de Psicologia do desenvolvimento, Processos Cognitivos, Psicologia e Linguagem, Perspectivas e Organização da Pesquisa em Psicologia e Neuropsicologia.
A proposta do blog é trazer estas e outras questões que cercam os indivíduos intersexuais para reflexões produtivas e pertinentes. Além disso pretendemos mostrar questões mais interventivas a nível social.
Para isso, falaremos a partir dos estudos da Psicologia, articulando as múltiplas disciplinas que fazem parte desse saber, além de dialogar com outras áreas do conhecimento.
Queremos, com isso, que a temática da intersexualidade esteja mais próxima da sociedade, com possibilidades de discussões mais ricas e esclarecedoras, que proporcione um novo olhar sobre os indivíduos intersexuais, aos conflitos e preconceitos envolvidos e a possibilidades mais justas de vivência destes indivíduos na sociedade. Para tal, iremos trazer o tema da intesexualidade através de artigos, vídeos, reportagens e outros meios para melhor contribuir nas nossas reflexões. Contamos, ainda, com a participação dos demais internautas para enriquecer nossas postagens, através de comentários, dúvidas e considerações. Trabalhando juntos poderemos contribuir e aprofundar nossos conhecimentos e levantar propostas de intervenção a nível social.

Nosso grupo é composto pelos estudantes Joniel Gomes, Karla Priscila, Marcelo Santos, Maria Luíza Leão e Rafael Costa.