segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Ampliando as discussões sobre gênero: Algumas perspectivas teóricas e um diálogo com os estudos sobre intersexualidade I

   Do Essencialismo ao Construcionismo Social: Perspectivas teóricas da Psicologia nas relações de gênero.

    John Gagnon e Richard Parker, citados por Paiva (2008, p. 643) atribuem ao período compreendido entre 1890 e 1980 o que eles chamam de “período sexológico”, onde iniciou-se uma pretensão de se trazer o estudo da sexualidade ao campo científico. Durante as primeiras décadas desse período, produziram-se discursos normatizadores sobre uma sexualidade poderosa, instintiva e pulsional que se opunha à civilização e à cultura. Dentre os principais autores desse período, esses autores citam Freud (e seguidores), Ellis, Hirschfeld, Malinovsky, Stopes, Reich, pesquisadores do Instituto Kinsey, Margareth Mead, Masters & Johnson.

    Algumas abordagens teóricas pensaram a sexualidade (aqui englobada de uma maneira geral e não apenas pensando no ato sexual) e elaboraram teorias explicativas para seu funcionamento na espécie humana. Essas abordagens divergem em muitos aspectos, em outros se encontram e em algumas teorias se completam.

     Pensando a partir da Psicologia evolucionista, o critério básico para se determinar um comportamento (pense aqui no comportamento sexual) é o da seleção natural de elementos mais vantajosos para a perpetuação da espécie. Como afirma Parisotto (2003, p.77): “A Psicologia evolucionista (...) Parte do princípio de que os padrões comportamentais são respostas motoras pré-estabelecidas que sofreram pressões da seleção natural e que influenciaram o comportamento social de membros da mesma espécie..”.  
Diferenças de gênero: uma questão evolutiva?
Fonte: Google Imagens.

    "Dessa forma, a diferença entre gênero seria, a partir do critério evolutivo, mais um elemento selecionado e vantajoso para a perpetuação da espécie humana. Para este paradigma, não há diferenciação entre os conceitos sexo e gênero, pois “comportamentos típicos de um gênero estariam invariavelmente associados ao sexo (isto é, macho/masculino e fêmea/feminino seriam relações indissociáveis).” (MENEZES; BRITO; HENRIQUE, 2010 P. 246).

    Essa perspectiva sugere, dessa forma, que homens e mulheres se comportarão de maneiras características com tal finalidade reprodutiva, seguindo assim uma “estratégia sexual”. Traz Perisotto et all (2003, p.78):

   “O homem tenderia a estratégias de curta duração, minimizando ao máximo o comprometimento com cada fêmea, tendo desejo e freqüência sexuais aumentados e sendo capaz de detectar rapidamente sinais de disponibilidade ao sexo e fertilidade feminina. A fêmea buscaria relacionamentos mais duradouros para garantir a proteção e o investimento paterno nela e em sua prole, ou relacionamentos curtos com provedores de imediato retorno.”

   Esses discursos sobre a sexualidade resultaram então em praticas clínicas e sociais de modulação dos comportamentos considerados saudáveis, corretos ou aqueles considerados transgressores. Como afirma Paiva (2008, p. 643):

  ”As “descobertas” do período sexológico resultaram em modelos clínicos de intervenção operados por psicólogos, médicos e psicanalistas até hoje (...). A verdade sobre essa sexualidade natural e normal definiria também “a” família natural e normal. “Famílias desestruturadas” (não-naturais), para usar a linguagem que se fala na escola ou nos serviços de saúde e de assistência social, explicariam desvios de comportamento a serem tratados ou prevenidos.”

    Foucault analisa bem esses discursos de dispositivos da sexualidade através dos tempos, como produções de poder e de regulação sobre os corpos. Veja mais sobre neste post.

    Essa concepção entende a sexualidade de forma instintiva e dependente de uma maturação dos indivíduos, que resultaria então no ato sexual e na perpetuação da espécie. Segundo Costa e Oliveira (2011, p. 4) “De acordo com o tal conceito, a criança não possuiria sexualidade, essa surgiria a partir da puberdade que é quando se iniciaria a maturação biológica e o instinto sexual se formaria por meio de uma atração irresistível de um sexo sobre o outro, que se completaria pela união sexual.”

Fonte: Google Imagens
   Para Freud (2006) apud Costa e Oliveira (2011, p.6), no entanto, “a sexualidade é construída durante as primeiras experiências afetivas do bebê. Quando nasce, a percepção do bebê é sensorial, todo contato com seus pais ou cuidadores passa a compor as primeiras sensações sexuais e será a base para a construção dos vínculos afetivos e do desejo de aprender.“

    É nesse sentido que vai se perdendo a ideia de expressão da sexualidade como um caráter evolutivo, visando apenas a perpetuação da espécie para se falar em uma sexualidade que é constitutiva do sujeito, suas relações e seu modo de vida.


    “[...] Se, por outro lado, tomarem a função de reprodução como núcleo da sexualidade, correm o risco de     excluir toda uma série de coisas que não visam à reprodução, mas certamente são sexuais, como a masturbação, e até mesmo o beijo.” (Freud, 2006 apud Costa e Oliveira; 2011, p.2)


Fonte: Google Imagens
    Assim, Num segundo momento, ao fim da década de 60, essa concepção da sexualidade com fins reprodutivos vai sendo questionada, dentre outros, por movimentos feministas e homossexuais que traziam uma perspectiva conhecida por construcionista. Tal perspectiva “re-definiu o gênero e a identidade sexual, separou a identidade das práticas sexuais, questionou o determinismo biológico, construiu a história da homossexualidade e da origem da dominação masculina.” (Paiva, 2008 p.644).

      

Continua...

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