Na mitologia grega, o mito de
Hermaphroditos, Ἑρμάφρόδιτός, Deus grego filho de Hermes e Afrodite, traz a
origem do termo adotado hoje para classificar comumente um tipo de ADS. Segundo
esta história, o Deus grego, de beleza extrema, desperta o amor da ninfa
Sálmacis que, tomada pelos seus sentimentos, uniu ambos os corpos em um só.
Salmacis e Hermaphoditos Bartholomeus Spranger (c.1598).
No artigo O sexo dos Anjos, que
você pode encontrar no fim desta postagem como recomendação de leitura, a
autora Paula Sandrine também nos remete ao estudo de Mircea Eliade que, em seu
livro “Mefistófeles e o Andrógino: comportamentos religiosos e valores
espirituais não europeus” traz a construção do Mito do andrógino, de Platão,
por diversas culturas não ocidentais, de uma ideia divina da androginia e nos
coloca uma possibilidade de pensar a variabilidade de sexos nos humanos como
uma situação possível (Seriamos
todos intersexuais? Leia aqui a entrevista com o Imunologista e Professor
americano Gerald Callahan sobre esta proposição.)
Os chamados hermafroditas, ou
qualquer outra pessoa com “deformidades” físicas, eram vistas, desde a
Antiguidade, como essencialmente malígnas, ligados ao Satã e que precisavam ser
mortas para não ameaçar o “frágil e constantemente ameaçado reino de Deus sobre
a terra” (LEITE, Jorge. 2009).
A visão do diabo também era
associada a uma entidade dúbia, imprecisa, com seios femininos e pênis num só
corpo, em oposição a ideia divina de clareza e precisão. É nesse sentido que
formam-se as construções de cristo e dos anjos como quase assexuados, “pois o
que importa são as sutilezas do espírito em manifestações de masculinidade ou
feminilidade, enquanto o diabo e seus demônios tornam-se hipersexuados, focando
na genitalidade corporal todo o desregramento cósmico da junção macho e
fêmea.”.
Com o advento do iluminismo as
diferenças entre o homem e a mulher caíram nos braços da ciência, ratificando a
ideia dicotômica de sexo vigente até então e problematizando ainda mais a questão
dos ADSs (antes chamados de “intersexs”).
Passa-se a estudar as diferenças do cérebro masculino e feminino, como por
exemplo uma maior atividade no lóbulo parietal inferior direito nos homens e o
esquerdo nas mulheres (Sobre isso, leia “As diferenças
encefálicas e níveis de atenção em homens e mulheres”). Diferenças
hormonais também foram dicotomizadas, conheceu-se os efeitos da testosterona e
relacionaram o nível de concentração deste, em homens e em mulheres, com seus
comportamentos característicos. Deu-se nome, localizou-se no corpo, as
principais diferenças comportamentais entre homens e mulheres e buscou-se
“encaixar” os ADSs nas formas sociais aceitas, ou homem ou mulher.
“O homem vitruviano – Leonardo Da Vinci”
Por outro lado, há uma teoria
conhecida como Queer, surgida na década de 80, que põe em cheque as formas de
identidade humanas socialmente aceitas, dentre elas a ideia binária da condição
humana- masculino/feminino- atribuindo uma condição cultural (e não natural)
aos ideais de identidades sexuais, que produz um instrumento de poder sobre os
corpos humanos, sejam estes os “normais” ou aqueles considerados patológicos,
aqui se encaixando os intersexuais, por este binarismo e pelo discurso médico
vigente, que justificam, dentre outras coisas, as intervenções cirúrgicas de
adequação ao dimorfismo sexual. Contrariando este discurso médico de patologia
dos indivíduos intersex e corroborando o discurso queer, CABRAL (2003) apud
PINO (2007) nos diz que:
“A intersexualidade não é uma doença, mas
uma condição de não conformidade física com os critérios culturalmente
definidos de normalidade corporal”
É nesse sentido que nós podemos
refletir criticamente, em princípio, sobre as decisões e discursos médicos de
“readequação sexual”, através de intervenções cirúrgicas, não como saberes
neutros e autônomos, isolados do contexto social, mas, pelo contrário,
impregnados de ditames socialmente aceitos e normatizados do que vem a ser,
além de tantos outros ditames sociais, homem e mulher. A teoria queer, nesse
sentido, segundo PINO (2007):
“(...) Dispensa atenção aos indivíduos que
não se conformam às regras e, portanto, vivem nas zonas de abjeção, lugares nos
quais sua própria humanidade é contestada, exatamente por não corresponder aos
ideais normativos do humano.”
Referências:
Castro Dutra Machado, Dionis de, Vale Bastos, Victor Hugo do, Porto
Silva, Paulo Alberto, Fonseca de Andrade, Ubiratan, Silva, Júlio Guilherme,
Furtado, Vernon, Ribeiro, Pedro. Diferenças sexuais encefálicas e níveis de
atenção em homens e mulheresFitness & Performance Journal [On-line] 2005, 4
(Julio-Agosto) : [Data de consulta: 13 / diciembre / 2013] Disponível
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Achei ótimo esse post. Certifiquem-se de que estão dando cota das "visões contemporâneas", que sugere a contemplação de uma totalidade, ou se estão tratando de algumas visões e de qual base epistemológica: psicanalítica, social, neurocientífica, etc A que se pensar, ok?
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