“Tem-se uma sexualidade desde o
século XVIII, o sexo desde o XIX. Antes,
tinha-se, sem dúvida, a carne”. (Foucault)
Um ser em que consiste a totalidade
dos gêneros, essa seria uma boa concepção para iniciarmos esse diálogo sobre o
corpo e a sexualidade como uma relação de saber-poder. Mas, vale ressaltar que
aparentemente a concepção que prevalece atualmente e já profundamente
arquitetada e estabelecida ao longo da história (principalmente na sociedade
ocidental), é a de uma refutação a respeito da concepção da integração de
opostos que por fim tem se perpetuado com a noção de anormalidade quando se
trata da pessoa intersexuada. No Século XIX, segundo Foucault (2001) o
hermafrodita era considerado como um tipo de monstro, visto como imperfeição da
natureza ou moralmente deturpado. E ao que parece, ainda hoje, a pessoa
intersexual é considerada como uma imperfeição da natureza, dentro dos ditames
sociais vigentes já estabelecidos.
Foucault argumenta no primeiro
volume de A história da sexualidade, que o construto unívoco do “sexo” (a
pessoa é de um sexo e, portanto, não é de outro) é (a) produzido a serviço da
regulação e do controle social da sexualidade; (b) oculta e unifica
artificialmente uma variedade de funções sexuais distintas e não relacionadas;
e (c) então aparece no discurso como causa, como uma essência interior que
tanto produz como torna inteligível todo tipo de sensação, prazer e desejo como
específicos de um sexo. (BUTLER,
Judith, 2003)
Seguindo o pensamento de Foucault,
nota-se que estamos vivendo em um tempo que não é marcado pela proibição de se
falar sobre o sexo, mas por um regime que regula o sexo por meio de discursos
públicos. “E a causa do sexo – a da sua liberdade, mas também a do conhecimento
que dele se vai tendo e do direito que se tem de falar dele – acha-se com toda
a legitimidade ligada à honra de uma causa política”, como descreveu Foucault
no I volume de A história da sexualidade.
O pensamento de Foucault pode
nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a não naturalidade das
classificações a respeito do sexo, e também, nos ajudar a entender que essas
mesmas classificações são criadas no âmbito do biopoder. Podemos exercer um
olhar mais apurado a esse respeito, no que tange ao próprio surgimento das
primeiras identidades sexuais no século XIX e sua clivagem. As classificações
passam a surgir em detrimento de técnicas que procuram “normalizar”, controlar
e modelar as pessoas, no que diz respeito ao seu próprio corpo, mexendo até
mesmo com sua subjetividade. Quer-se saber a forma como cada um lida com o seu
sexo (como falam dele, o que fazem dele, como lidam com ele), estabelecendo
formas “normais” e “perversas” de prazer, a verdade do sexo, entre outros.
A intersexualidade, dentro dos ditames
sociais vigentes, é uma categoria que permanece ainda no anonimato; o sigilo
emerge como um comportamento “ideal”, negociado entre a família e os
profissionais de saúde. Ainda seguindo o pensamento de Foucault, poderíamos
dizer que a grande questão não é se há repressão sobre o assunto “sexo”, mas,
saber que há uma série de dispositivos que faz com que prolifere uma série de
discursos sobre o “sexo”. Nesta Direção, a subjetividade do intersexual é
construída através da mediação de valores e crenças sociais sobre o corpo e o
gênero. Essa não identidade das pessoas intersexuais poderia emergir numa nova
concepção política de uma descontinuidade sexual, um mundo que ultrapassa as
categorias do sexo e da identidade.
Referências
FOUCAULT,
M. História da Sexualidade I, A Vontade de Saber. Rio de Janeiro:
Graal,1977.
FOUCAULT,
M. Aula de 22 de janeiro de 1975. In: FOUCAULT, Michel. Os anormais. São
Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 69-100.
BUTLER,
Judith. Foucault, Herculine e a política da descontinuidade sexual. Problemas
de gênero-Feminismo e subversão da identidade, 2003.
Nenhum comentário:
Postar um comentário