sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

(Re)pensando o sexo II: O corpo e a sexualidade como uma relação de saber-poder. Diálogo com o pensamento foucaultiano.

 “Tem-se uma sexualidade desde o século XVIII, o sexo desde o XIX.   Antes, tinha-se, sem dúvida, a carne”. (Foucault)

       Um ser em que consiste a totalidade dos gêneros, essa seria uma boa concepção para iniciarmos esse diálogo sobre o corpo e a sexualidade como uma relação de saber-poder. Mas, vale ressaltar que aparentemente a concepção que prevalece atualmente e já profundamente arquitetada e estabelecida ao longo da história (principalmente na sociedade ocidental), é a de uma refutação a respeito da concepção da integração de opostos que por fim tem se perpetuado com a noção de anormalidade quando se trata da pessoa intersexuada. No Século XIX, segundo Foucault (2001) o hermafrodita era considerado como um tipo de monstro, visto como imperfeição da natureza ou moralmente deturpado. E ao que parece, ainda hoje, a pessoa intersexual é considerada como uma imperfeição da natureza, dentro dos ditames sociais vigentes já estabelecidos.
           Foucault argumenta no primeiro volume de A história da sexualidade, que o construto unívoco do “sexo” (a pessoa é de um sexo e, portanto, não é de outro) é (a) produzido a serviço da regulação e do controle social da sexualidade; (b) oculta e unifica artificialmente uma variedade de funções sexuais distintas e não relacionadas; e (c) então aparece no discurso como causa, como uma essência interior que tanto produz como torna inteligível todo tipo de sensação, prazer e desejo como específicos de um sexo. (BUTLER, Judith, 2003)

           Seguindo o pensamento de Foucault, nota-se que estamos vivendo em um tempo que não é marcado pela proibição de se falar sobre o sexo, mas por um regime que regula o sexo por meio de discursos públicos. “E a causa do sexo – a da sua liberdade, mas também a do conhecimento que dele se vai tendo e do direito que se tem de falar dele – acha-se com toda a legitimidade ligada à honra de uma causa política”, como descreveu Foucault no I volume de A história da sexualidade.
           O pensamento de Foucault pode nos ajudar a compreender um pouco mais sobre a não naturalidade das classificações a respeito do sexo, e também, nos ajudar a entender que essas mesmas classificações são criadas no âmbito do biopoder. Podemos exercer um olhar mais apurado a esse respeito, no que tange ao próprio surgimento das primeiras identidades sexuais no século XIX e sua clivagem. As classificações passam a surgir em detrimento de técnicas que procuram “normalizar”, controlar e modelar as pessoas, no que diz respeito ao seu próprio corpo, mexendo até mesmo com sua subjetividade. Quer-se saber a forma como cada um lida com o seu sexo (como falam dele, o que fazem dele, como lidam com ele), estabelecendo formas “normais” e “perversas” de prazer, a verdade do sexo, entre outros.
           A intersexualidade, dentro dos ditames sociais vigentes, é uma categoria que permanece ainda no anonimato; o sigilo emerge como um comportamento “ideal”, negociado entre a família e os profissionais de saúde. Ainda seguindo o pensamento de Foucault, poderíamos dizer que a grande questão não é se há repressão sobre o assunto “sexo”, mas, saber que há uma série de dispositivos que faz com que prolifere uma série de discursos sobre o “sexo”. Nesta Direção, a subjetividade do intersexual é construída através da mediação de valores e crenças sociais sobre o corpo e o gênero. Essa não identidade das pessoas intersexuais poderia emergir numa nova concepção política de uma descontinuidade sexual, um mundo que ultrapassa as categorias do sexo e da identidade.
Referências
FOUCAULT, M. História da Sexualidade I, A Vontade de Saber. Rio de Janeiro: Graal,1977.
FOUCAULT, M. Aula de 22 de janeiro de 1975. In: FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 69-100.
BUTLER, Judith. Foucault, Herculine e a política da descontinuidade sexual. Problemas de gênero-Feminismo e subversão da identidade, 2003.

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