Assistimos hoje na sociedade, baseando-se nos
postulados e achados científicos, um reinado do discurso de um “corpo hormonal” (Boof) (Nucci & Russo) que se sobrepõe a outras visões biomédicas e que por sinal é amplamente
divulgado pelas mídias em massa e aceito pelo público em geral. Nesta visão os
hormônios e suas relações com o cérebro seriam determinantes para tudo e explicariam
todas as coisas, incluindo os comportamentos entre os sexos opostos,
inteligência, atenção, habilidades e orientação sexual. Por esta visão, a presença de
hormônios como progesterona e testosterona, bem como suas variações, seriam determinantes para a justificação de características ditas masculinas e
femininas e a explicação de como o indivíduo reage às atividades de vários
níveis sociais atribuídas a cada gênero.
Nesta concepção segundo Oudshoorn, haveria uma
visão de hormônios completamente dualista, que ao concebê-los tanto em sua
função como em sua origem como femininos ou masculinos revelam um pensamento
binário reinante que em essência mostra uma visão completamente polarizada da
noção de pertencimento do sujeito entre as fronteiras do masculino e feminino.
Tudo isso começou por volta de 1930
quando a endocrinologia trazia ao mundo uma nova visão para os comportamentos
sexuais, identificando e nomeando hormônios “femininos” e “masculinos” como
determinantes da feminilidade e masculinidade, respectivamente. Mais tarde esta perspectiva foi sendo contraposta por uma visão “qualitativa” dos hormônios, onde se reconhecia que num mesmo
organismo poderia haver ambas as características em diferentes graus, porém esta
visão ainda não abandonou o sistema de classificação dos gêneros. Em 1959, cientistas do Departamento de Anatomia da Universidade de Kansas após
experimentos com ratos, postularam a Teoria Organizacional que nas suas
entrelinhas trazia a concepção de que ainda no útero os hormônios sexuais eram
responsáveis pela diferenciação sexual do embrião e que por sua vez manifestariam, dependendo do hormônio, comportamentos “masculinos” ou
“femininos”. Tal teoria extrapola para o âmbito dos seres humanos e rapidamente "assume" que, em homens, o comportamento masculino se apresenta na presença de
andrógenos no cérebro, enquanto o comportamento feminino se caracteriza pela ausência
destes hormônios. Assim, é visto neste pressuposto que o comportamento seria produzido pelo cérebro e
qualquer alteração deste iria mudar também o comportamento do indivíduo.
Para Boff (2013), esses dados
obtidos pela biogênese mostram o papel do sistema límbico no cérebro, que seria responsável pela sexualidade e o amor, influenciariam poderosamente a organização
da sexualidade tomando como exemplo os hormônios e sua importância na
diferenciação sexual, ele diz:
"Sabe-se
que os hormônios, especificamente, andrógenos pré-natais, operam uma
diferenciação masculina e feminina de algumas porções do sistema nervoso
central. Mulheres que sofreram, por exemplo, uma androgenização fetal parece
resistir a uma socialização (considerada) feminina e mostram interesses e
níveis de atividade tidos como adequados aos homens. Homens que sofrem de
insensibilidade congênita aos andrógenos pré-natais, assumem características
comportamentais tidas nitidamente como femininas e se opõem a uma socialização
dita masculina."
A Intersexualidade
e a Mudança de Paradigmas.
"A intersexualidade é vista como uma Anomalia da
Diferenciação Sexual (ADS), que resulta em genitália ambígua, onde tal
anormalidade pode ter origem em distúrbios cromossômicos, no mau
desenvolvimento gonadal ou nos distúrbios da produção ou na atividade de certos
hormônios." (Pippi Salle e Jednak, 2008, apud Hemesath, 2010). Suas causas
ainda são um mistério em resolução, mas na biologia, como nas ciências em geral, as anomalias e exceções ajudam a entender o que é “normal” e, sendo assim
pesquisas foram feitas observando casos de intersexuais que podem mudar um
pouco este paradigma hormonal, onde a mulher é um ser cujos hormônios
masculinos não foram ativadas.
(Entrevista com Eric Vilain) |
Estes achados nos estudos com Intersexuais e outros desafios, descobrindo os fatores que causam a formação de genitálias ambíguas nos mostram a importância
de pesquisas nesta área. O mapeamento genético juntamente com a descoberta de
fatores hormonais, são ferramentas que ajudarão a desvendar mais ainda as
causas das ADS, porém ainda poderemos nos perguntar, em meio a estes avanços, quais serão as repercussões sociais em torno dos intersex? Será que estas descobertas não fortalecerão mais ainda a visão binária de gênero e continuará reforçando os procedimentos de adequação dos mesmos? O fortalecimento de um discurso patológico acerca dos intersex não acabaria aumentando não só o preconceito como também a dificuldade de aceitação deles próprios?
Estas e outras questões serão melhor discutidas nas próximas postagens.
Estas e outras questões serão melhor discutidas nas próximas postagens.
Referências:
Hemesath, T. P. (2013). Anomalias da
Diferenciação Sexual: Representações Parentais sobre a Constituição da
Identidade de Gênero.Psicologia:
Reflexão e Crítica, 26(3), 583-590.
Nucci, M. F., & Russo, J. A. “O Sexo do
Cérebro”: uma análise sobre gênero e ciência. Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas
para as Mulheres, 6, 31-56.
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/quando_uma_pessoa_nao_e_xx_nem_xy_imprimir.html
http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/a-construcao.html.